segunda-feira, 30 de junho de 2014

Quando o comportamento financeiro compulsivo é uma doença !!!!! Entrevista com o Dr André Malbergier

No assunto de hoje transcrevo uma excelente entrevista do Dr Drauzio Varella com O Dr  André Malbergier  que é médico, professor do Departamento de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do GREA, Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas.

Acredito ser este assunto tão importante e comum em nosso meio, que não poderia de registrar esta excelente entrevista nas partes que nos pode afetar diretamente nas finanças pessoais. Retirei a parte que falava do tratamento farmacólógico que não é um tema que deva ser abordado aqui, Minha intenção foi apenas compartilhar com os leitores, um pouco de conhecimento do que é um comportamento normal e um compulsivo, diferenciando-os, de forma a entender sua aplicação e resultados em nosso cotidiano financeiro.

 O consumismo é uma das piores pragas atuais da sociedade, que através das midias e apelos de todos os tipos, afetam o comportamento financeiro de grande parte da população que se tornarão os futuros endividados e negativados, os quais infelizmente,  tem uma taxa altissima em nosso meio. Mas temos que diferenciar o que é fruto de um mal hábito e o que seria uma patologia propriamente dita, que sempre deverá ser  abordado por um profissional da medicina psiquiátrica ou da  psicologia.
 

"Muita gente imagina que os comportamentos compulsivos estão apenas associados a drogas como álcool, maconha, cocaína e nicotina, por exemplo. De fato, dependentes de droga manifestam esse tipo de comportamento, mas a compulsão não está relacionada exclusivamente com o uso de substâncias químicas. Pode estar ligada a outras situações que provocam prazer, como fazer compras ou passar horas em frente do computador. Quem não conhece pessoas que compram compulsivamente, estouram o limite do cartão de crédito, do cheque especial e a conta no banco de uma forma deletéria para si mesmas. Quem não tem notícia de gente que permanece horas em frente do computador e se esquece de comer, de falar com os amigos, de prestar atenção nos filhos. Esses comportamentos, tanto quanto os relacionados com o uso de drogas, interferem com o mecanismo de prazer e podem adquirir características patológicas, de certa forma incontroláveis."

Vamos à entevista ( focando no comportamento financeiro somente) :
CARACTERÍSTICAS DO COMPORTAMENTO COMPULSIVO
Drauzio - Quais são as características básicas do comportamento compulsivo? 
André Malbergier - O comportamento compulsivo se caracteriza por uma pressão interna que, em determinadas situações, faz com que a pessoa se sinta impelida, tomada por desejo muito forte de realizar uma ação que gera prazer principalmente nos estágios iniciais, mas que depois provoca sentimento de culpa e mal-estar.
Drauzio - Vamos pegar o exemplo das compras. Como se distingue um comportamento patológico do comportamento normal da pessoa que vai às compras? 
André Malbergier - Com base em estudos americanos, o comprar compulsivo só passou a ser tratado como doença recentemente. Considera-se que uma pessoa é compradora compulsiva quando, em determinado momento, começa a contabilizar prejuízos financeiros, pessoais e de relacionamento provocados pelo descontrole nas compras. Embora as pesquisas mostrem que quase todo o mundo, de vez em quando, compra por impulso, porque comprar por impulso faz parte da natureza humana, o comprador compulsivo não cede a essa pressão eventualmente. Cede sempre, em especial se estiver dominado por sentimentos negativos, entristecido, com baixa autoestima e dificuldade de relacionamento. Em geral, são mulheres que vão ao shopping  e começam a comprar sem controle. Às vezes, saem de casa pensando em adquirir determinado produto, mas entram nas lojas e não resistem ao apelo de comprar outras coisas. O interessante é que não compram só para si. Se a abordagem do vendedor for eficiente, sairão da loja carregadas de presentes e, quando alguém reclama que estão gastando muito dinheiro, argumentam “Não seja ingrato. Você se esquece de quantos presentes lhe comprei”.
Na verdade, os shoppings favorecem esse tipo de comportamento pelo número e diversidade de lojas que oferecem agrupadas num mesmo espaço. Além disso, contar com cartões de crédito e poder parcelar os pagamentos funcionam como atração e incentivo para novas compras.

COMPULSÃO NOS DOIS SEXOS

Drauzio - Esse tipo de compulsão é mais frequente nas mulheres?  
André Malbergier - Observa-se que de 90% a 95% dos compradores compulsivos são mulheres. Alguns estudos mostram que elas têm a chamada dependência de shopping center, caracterizada por problemas com compras, com comida e cleptomania, uma vez que também fazem pequenos furtos. Os comportamentos compulsivos dos homens estão mais ligados à adição de álcool, de drogas e ao sexo. Essa diferença provavelmente pode ser atribuída a aspectos culturais, pois biologicamente não teríamos como explicá-la, já que toda a ação ou fisiopatologia da doença está associada ao circuito da recompensa que, em teoria, é igual nos dois sexos.
Por outro lado, vários países que estudam o comportamento dos adolescentes no que se refere ao uso de drogas lícitas ou ilícitas verificaram que, nesse campo, o comportamento de homens e mulheres está ficando muito parecido, o que pode reforçar a hipótese de tratar-se de uma questão mais cultural do que propriamente biológica.

CIRCUITO CEREBRAL DE RECOMPENSA

Drauzio - Você está chateado, entra num shopping, compra uma camisa e uma gravata bonita e fica um pouco mais feliz. Como funciona o mecanismo de recompensa nesses momentos? 
André Malbergier – Já está demonstrado que existe no nosso cérebro um circuito de recompensa, na verdade uma estrutura bastante rudimentar que, de alguma forma, está presente também nos outros animais, por exemplo, nos ratos, e que vai mediar nossa relação com situações de prazer, como fazer sexo, ir às compras, comer uma comida gostosa ou encontrar uma pessoa querida que não víamos há muito tempo. Sabe-se também que, dependendo do grau de prazer que determinada situação gerou, esse circuito é estimulado em diferentes níveis. Certos comportamentos e algumas substâncias conseguem fazê-lo de uma maneira que dificilmente seria possível ocorrer na vida cotidiana. É muito difícil dimensionar o grau de prazer experimentado pelos dependentes se o compararmos com o de uma pessoa comum. Talvez seja isso que, depois de algum tempo, os faça declarar que nada mais lhes traz prazer além do sexo, da cocaína ou das compras, por exemplo. Existe uma alteração no cérebro ligada à liberação de um neurotransmissor chamado dopamina, que é responsável pela sensação de prazer. Ele faz com que a pessoa, por susceptibilidade biológica ou sociocultural, ao entrar em contato com determinado comportamento ou substância, associe tal estímulo ao prazer e bem-estar que está sentindo e que foi provocado pela maior liberação desse neurotransmissor. No entanto, quando se repete muito tal comportamento ou o uso da droga, a ação da dopamina se esgota, se esvazia rapidamente, a pessoa se sente mal e precisa repetir com mais frequência o estímulo externo para manter minimamente os níveis de dopamina no sistema cerebral de recompensa.

Drauzio - Quer dizer que os compradores compulsivos estabelecem uma ligação patológica entre determinado comportamento e os níveis de dopamina. Provocam o estímulo, porque só ele consegue fazer com que sintam felizes naquela hora, pelo menos. Com a cocaína, acontece a mesma coisa. Quando cessa sua ação, o usuário fica derrubado e repete a dose, mesmo sabendo que aquele comportamento é deletério. A pessoa que vai fazer compras sabe que depois vai sentir-se mal? 

André Malbergier - Sabe, sim. O interessante é que só recentemente se conseguiu demonstrar que não são apenas as substâncias químicas que atuam nos circuitos cerebrais da recompensa. Compras, jogos patológicos, sexo, comida ou mesmo o uso exagerado do computador representam comportamentos capazes de agir sobre eles. No caso do comprador compulsivo, o fenômeno é muito parecido com o provocado pelas drogas. A pessoa se ilude com a sensação de que vai ao shopping não para comprar, mas para ver vitrines, ir ao cinema ou levar o filho. Como o usuário de cocaína que acha que pode ir a uma festa, mas jura que não vai usar drogas ou vai usar só um pouquinho, ela fica brigando consigo mesma – “Vou conseguir frequentar o shopping sem me endividar” -, mas não resiste sequer ao primeiro apelo.
Os comportamentos compulsivos são estimulados pela facilidade de acesso à substância, no caso, o acesso às compras. Do mesmo jeito que numa festa a simples visão da cocaína pode liberar desejo incontrolável ou fissura, exposta a uma situação de compra, a pessoa tem as mesmas reações.

FATORES DE RISCO
Drauzio - Existem pessoas que correm maior risco de desenvolver comportamento compulsivo em relação às compras? Há um tipo de personalidade ou de educação mais comum nelas. Por exemplo, pais que compram mais presentes para os filhos podem estar incentivando esse tipo de comportamento? 

André Malbergier - Teoricamente, quem corre maior risco são as mulheres de classe média ou média alta, faixa socioeconômica com maior disponibilidade de dinheiro para gastar. Pagas as contas do dia a dia, sobra-lhes sempre uma quantia para ser usada em recreação, lazer, compras, etc. Discute-se se boa parte dessas mulheres são filhas de pais que trabalhavam muito e ficavam ausentes por longos períodos, deixando em suas mãos, quando meninas, dinheiro disponível precocemente. Assim, aos 16 ou 17 anos, idade em que começaram a sair sozinhas, criaram hábitos, entre eles o de compras, que incluem gastos excessivos.

COMORBIDADES
Drauzio - Compradores compulsivos podem apresentar o que em medicina se chama de comorbidade, ou seja, a associação com outras patologias psiquiátricas? Por exemplo, existem pessoas deprimidas que são dependentes de álcool. Quando se vai analisar o caso, descobre-se que o alcoolismo surgiu como tentativa para fugir da depressão. 

André Malbergier - Na área da dependência e compulsão são comuns os casos de comorbidade. Estudos mostram que de 60% a 70% das mulheres com compulsão por compras apresentam sintomas depressivos e número um pouco menor, depressão clínica propriamente dita. Outra doença frequentemente associada aos compradores compulsivos é a distimia, uma depressão crônica mais leve do que a depressão clínica. É evidente que pessoas com sintomas depressivos, às vezes por anos, quando descobrem que o fato de irem às lojas para fazer compras melhora seu ânimo, desenvolvem compulsão nem tanto pelo prazer de possuir um objeto em si, mas porque são paparicadas pelo vendedor dentro de uma loja bonita e num ambiente agradável. O bem-estar que sentem nesses momentos é descrito quase como um orgasmo. Interessante é que muitas, mal saem da loja, começam a cair na real e veem que deram mais um cheque ou assumiram mais uma dívida no cartão de crédito e não levam os objetos que adquiriram para casa ou, se levam, escondem-no do marido (a maioria é casada) ou não desfazem os pacotes.

Drauzio - Em que faixa etária é mais comum esse tipo de problema? 

André Malbergier - Em geral, na faixa dos 39, 40 anos, quando os maridos atingiram certa estabilidade financeira. As feministas não gostam dessa interpretação. Dizem que hoje em dia as mulheres trabalham e ganham dinheiro para arcar com as despesas e os pagamentos de suas compras.


  OBS: Texto parcialmente retirado de http://drauziovarella.com.br/drauzio

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